Desde que criei este blogue, no dia especial que é 29 de Fevereiro, falei apenas de projectos do Mundo Perfeito. No entanto, quero que este espaço seja também um lugar de opiniões. Durante esta última semana, alguns amigos (provavelmente, as únicas pessoas que se deram contam da criação deste blogue) chamaram-me à atenção para o perigo que as minhas opiniões poderiam representar para o Mundo Perfeito como produtora de espectáculos e projectos culturais. Ainda por cima nessa área, onde qualquer leve brisa de pensamento político se revela, por norma, muito prejudicial ao negócio. Fizeram-no, sei-o bem, não por falta de coragem, mas por pura amizade.
Durante a semana, o trabalho obrigou-me a relegar para segundo plano a vontade de escrever aqui sobre algumas coisas que tenho visto acontecer. O espectáculo “Vagabundos de Nós”, de Daniel Sampaio, está prestes a estrear no Teatro Maria Matos; o espectáculo “Stand-up Tragedy” faz digressão em Coimbra (Teatro Académico Gil Vicente, 9 e 10 de Março) e, para lá do Mundo Perfeito, o meu trabalho nas Produções Fictícias tem ocupado a maior parte do meu tempo.
No entanto, o debate sobre a despenalização do aborto que regressou, esta semana, à Assembleia, empurra-me para estas linhas. E fá-lo por diversos motivos. Não só pela urgência e relevância social do tema. Também porque se reveste de características que só justificam a minha vontade de usar este espaço.
O PSD absteve-se de tomar uma posição nesta questão. Já muita tinta e outras tantas gargalhadas foram gastas à custa da célebre “não-posição” inventada, num arroubo linguístico, pelo líder de bancada Guilherme Silva. O preço da paz com a potência bélica do CDS/PP é o silêncio acerca de uma questão de consciência, de vida ou morte, de verdade ou mentira, como a despenalização do aborto. Já antes, Guterres tinha optado pelo silêncio. E esta capacidade de transformar um dos poucos debates que preocupa a deficiente opinião pública portuguesa em ficha de póquer do jogo político, é um sintoma da democracia em que vivemos.
A primeira vez que expresso uma opinião pessoal neste espaço é sobre a despenalização do aborto porque considero que este é um assunto que não suporta silêncios. Assumo-me a favor da despenalização, embora considere, como muitos que tomam a mesma posição que eu, que nunca seria capaz de optar pelo aborto. No entanto, estou convicto que prestam melhor serviço a este debate aqueles que considero opositores. Prefiro ter pela frente os que me falam da concepção como início duma vida ou até os que recorrem a argumentos mais hipócritas e demagógicos, do que ter o silêncio laranja. O silêncio é, neste caso, o desprezo pelo tema e pelo sofrimento que ele causa. O silêncio é infame.
O que percebemos, durante esta semana, é que o PSD não quer falar do que se passa para não ter que dizer que sabe o que se passa. Porque se o PSD assumisse que sabe, teria que escolher. E escolher, nestes tempos, é perigoso. Falar, ter opiniões ou convicções, optar, tomar partido, é absolutamente inconciliável com o poder, pensam eles. Por isso escolhi a despenalização do aborto como primeiro tema de um texto aqui no blogue. Porque o que eu penso do poder é outra coisa.
TR