mundo perfeito

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17.7.08

A Festa na Imprensa

"Pela janela vê-se o fogo de artifício na outra banda. Mas do lado de dentro, o jantar que estes sete montaram é um desastre com elevada percentagem de vítimas. É para isto que servem as festas, para uns com os outros embirrarmos com acintosa precisão? O elenco de criadores de A Festa responde sim – ou pelo menos que assim é no retrato que criaram desse complexo exercício de relações públicas que são as festas.
Estreia do Festival de Teatro de Almada, esta peça sai directamente do projecto Estúdios (uma colaboração da produtora Mundo Perfeito com o Teatro Maria Matos destinada à descoberta de nova dramaturgia), este ano concretizado em três oficinas, dirigidas por Pavol Liska e Kelly Cooper, dos Nature Theatre of Oklahoma, o realizador João Canijo e o coreógrafo Faustin Linyekula. O trabalho foi orientado para o tema da festa e, de metodologia em metodologia e de experiência pessoal em experiência pessoal, Filipe Homem Fonseca, Nelson Guerreiro e Tiago Rodrigues compuseram o texto que Rodrigues interpreta com Cátia Pinheiro, Cláudia Gaiolas, Joaquim Horta, Marcello Urgeghe, Rita Blanco e Tónan Quito, sobre cenário e desenho de luz de Thomas Walgrave".



"Voltando às festas cristalizadas em A Festa. Diz a regra que corre tudo bem até um ou uma dizer o que não deve e alguém levar a coisa mais a peito. Nessa altura, seja qual for a categoria de festa, mas principalmente nas “entre amigos” ou “de colegas”, enquanto uns tomam partido, outros procuram apaziguar e alguns simplesmente assobiam para o lado, a festa está definitivamente estragada. É o que acontece nesta peça de criação colectiva em que as personagens representam atitudes, comportamentos, posturas e reacções como quem vive um ritual disfarçado de celebração. Em cena estão a máscara social, abalada logo ao terceiro copo ou ao segundo charro ou à primeira pastilha, claro; os protocolos que regulam a função, a obrigação totalitária de divertimento, o exibicionismo; mas também a comunhão e a partilha e a lealdade, isto é, a razão oficial da convocação destes eventos.
Como os criadores e intérpretes não revelam o passado das personagens, nada de subjectivo distrai do que é essencial ao entrecho: a exibição da espuma onde assentam relações tecidas por razões das mais variadas. Assim, com economia, competência e brio realçam a teatralidade própria do comportamento festivo, ao mesmo tempo elaborando um espectáculo que aponta a hipocrisia sem ferir susceptibilidades nem pregar moral".

Rui Monteiro, Time Out Lisboa

16.7.08

A FESTA

A FESTA
by Mundo Perfeito at Teatro Maria Matos, Lisbon, Portugal
Until the 27th July | Wednesday to Saturday at 21H30 | Sunday at 17H00


A FESTA (The Party) is the first performance created in the frame of project ESTÚDIOS. This performance has its origin in three workshops directed by the acclaimed portuguese film director João Canijo; by Pavol Liska and Kelly Copper, the artistic directors of the american company Nature Theatre of Oklahoma and by the congolese coreographer Faustin Linyekula. All these artists were asked to think how would they create a work with the same subject: the Party. Actors and writers participated in the three workshops and later met to create a piece that would develop and melt down the very different experiences of each workshop.



ESTÚDIOS will happen every year, inviting several artists to explore a subject in the frame of a workshop that will be attended by a group of actors and writers that will, afterwards, build a performance based on that experience, promoting theatre as a space of creative meeting and collective thinking.

A FESTA is a collective creation of Cátia Pinheiro, Cláudia Gaiolas, Filipe Homem Fonseca, Joaquim Horta, Magda Bizarro, Marcello Urgeghe, Nelson Guerreiro, Rita Blanco, Thomas Walgrave, Tiago Rodrigues and Tónan Quito

Produced by Mundo Perfeito and Teatro Maria Matos
Co-produced by Festival de Almada 2008, Alkantara Festival,
CAPa and Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão

9.7.08

A FESTA

Sete personagens fora de água

Texto de Francisco Frazão para a folha de sala do espectáculo "A Festa", em cena até 27 de Julho no Teatro Maria Matos

O que há num tema? Se o projecto Urgências produzia espectáculos feitos de peças curtas em que se perguntava a cada autor(a) o que tinha ele/ela de urgente para dizer, o seu sucessor, os Estúdios, desagua num texto único (embora escrito a várias mãos) feito a partir de uma ideia que muda anualmente – nesta primeira edição é A Festa. Trabalhar a partir de um mau tema pode acordar memórias desagradáveis de redacções da quarta classe, mas há palavras que têm a estranha capacidade de aglutinar à sua volta imagens e discursos poderosos, contraditórios e actuais. “Festa” parece ser uma delas (e a prová-lo o facto de aparecer em vários títulos, basta pensar em Celebration de Pinter, Festen de Thomas Vinterberg ou La Festa de Spiro Scimone). A festa pode ser o final feliz da história, remate clássico e não-problemático de uma narrativa cheia de peripécias: finita la commedia. Mas nestes tempos em que somos obrigados a divertir-nos, em que a cultura é sofregamente engolida nessas ocasiões – da mesma família semântica – a que chamamos “festivais” (e este projecto comete a proeza auto-irónica de ser co-produzido por dois!), as complicações começam quando a festa é a história toda – basta pensar nalguns clássicos do realismo psicológico como Quem tem medo de Virginia Woolf? Uma reunião de pessoas com graus diferentes de intimidade entre si, tensões latentes e substâncias alcoólicas ou outras circulando em abundância são ingredientes ideais para uma noite animada – se não para os convivas, certamente para quem está na plateia. As máscaras caem, a violência explode, há uma espécie de catarse e a luz da manhã traz um olhar diferente sobre a vida.
Mas este espectáculo é um iceberg em que a parte submersa quer continuar a sê-lo e só muito raramente espreita – as personagens hão-de desagregar-se e vão dizer-se verdades e meias verdades, só que as pistas correm o risco de passar despercebidas na confusão das vozes. Quem são estas pessoas, o que comemoram? As respostas serão tardias e fragmentárias. Subvertendo as regras do realismo, com os seus dez minutos de exposição e as informações cruciais ditas três vezes, aqui tudo isso fica debaixo de água. Se nas peças de Tchékov a espingarda que se vê no I Acto dispara no III, nesta festa o que se perde já não se encontra. Isto que é uma tomada de posição estética deriva também do próprio processo de produção. Para além das habituais 6 semanas de ensaios houve três workshops para construção de um mundo e exploração do tema, em que participaram os criadores deste espectáculo mas também gente de fora, orientados por artistas com percursos tão estimulantes quanto divergentes. Definiram-se personagens e relações, dançou-se e cantou-se, aprendeu-se a importância das conversas sem importância. Mas agora essas personagens já não estão ansiosas por nos mostrar quem são, esqueceram-se da intriga e estão simplesmente a jantar umas com as outras. É por isso que o texto, que tem três assinaturas mas foi discutido por todos, quase não tem indicações cénicas: não era preciso, são os actores quem as escreve no palco. Todo esse trabalho prévio, essa experiência de vida em comum, já só está entre as falas, nos espaços entre os corpos: como a areia das amêijoas lembra o mar.

Francisco Frazão